
A velha senhora sentou-se diante do espelho
Receosa, levantou o rosto e olhou pr'aqueles olhos
Viu seu rosto, e a imagem sorriu-lhe.
Ficou encantada com o que via:
Aquelas linhas, enraizadas aos olhos, tão suaves, tão suas
Linhas que pareciam poesias
Pois eram marcas de um tempo feliz
De muitas risadas e de vivências únicas
Sua pele alva também mostrava linhas emoldurando a boca
Aquela boca que tanto sorriu
Que tanto falou
Que tanto beijou...
As linhas do tempo lhe eram amigas
Lhe contavam segredos que ela até esquecera de ter vivido
Lembrando-se de alguns capítulos, ela riu.
Em alguns outros, correu-lhe uma lágrima...
O brilho daqueles olhos verdes era o mesmo
Os mesmos olhos...
A diferença era a serenidade
Ainda mais marcante
Seu olhar pacificava a si mesma...
Tinha-lhe um apreço comovente
O espelho lhe dizia o quanto era amada
O quanto aqueles anos todos a fizeram bem
E ela a eles...
Olhou pras suas mãos: frágeis, cheias de histórias
Eram, também, fortes, dentro de sua docilidade.
Os dedos pareciam tocar notas musicais
No piano de cauda
Seu piano lindo , que era a vida.
Os cabelos tingidos, brilhantes,
por dentro eram branquinhos como flocos de neve
De neve e de nuvem
Cabelos de anjo, ela tinha.
E o espelho estava tão feliz por tê-la ali, à sua frente
Por vê-la assim, tão serena e em paz
Feliz por ter vivido intensamente
Por ter se emocionado sempre
Muitas e muitas vezes chorado
Por ter brincado tanto quanto quis
Porque era humana e teve sede de viver
A senhorinha , agora dentro de seu corpo frágil,
Sentia a brisa que vinha pela janela

Entrando em seus pulmões
Os perfumes que ela recordava
Todos estavam ali, presentes.
Então, pensou:
A vida que oferece perfumes para recordar, é vida feliz...